Apicius, como convém
O texto abaixo foi escrito pelo critico de comidas Roberto Marinho, que mantinha, quando em vida, o pseudônimo, Apicius. Publicava suas cronicas sobre restaurantes regularmente no Jornal do Brasil. Escrevia como poucos, com uma visão critica e irônica. Ele se divertia e divertia a todos, com elegância e sabedoria. Deixou-nos na década de 90 sem antes publicar uma seleção de textos sob o titulo "Confissões Íntimas", pela José Olympio Editora. Reverencio a figura de Apicius por ser atual e oportuna." Me perguntam, às vezes, quão imprudente sou. Se adentro pelos restaurantes, de barriga empinada e dedo em riste dizendo: "Tratem-me bem, senão..." E, ainda, se pago. Comerei tudo aquilo de que falo? Será verdade que...?
Lamento: é. Bem mais interessante eu seria se fosse picaresco e algo matreiro. Mas, que posso fazer? É a preguiça.
Só escrevo o que vi. Como e pago. Nem sou melhor tratado que o comum dos fregueses, pois não me faço anunciar.
Mas todas as regras têm exceções. Em alguns restaurantes sinto que me conhecem. Eu outros, sei que capricham muito além da medida, para me confortar. E em vários lugares, certamente, me acontecem coisas deleitosas mais do que o normal.
Acho, no entanto, que por muito que uma casa tente, nunca consegue ser mais do que é. Por exemplo, leitor desafinado - se te pagassem alguns milhões, cantaria?
Por certo.
Mas cantarias direito?
Muito temo que não. E se dobrassem a oferta, tranformando os reais em euros, dólares, ienes, pérolas, ouro, um alvará para negociatas? Continuarias tão desafinado quanto antes. Só que mais infeliz.
O mesmo acontece com os restaurantes. Por mais que tentem agradar, só conseguem fazê-lo na medida que podem. Não vão além. Assim como não cantas, nem danças Prokofiev, nem sais voando, só porque te ofereceram a lua. É triste. Mas somos restringidos por limites precisos.
Os restaurantes também."