Blog do Edson

A evolução da gastronomia (2)

 

 

Fonte de água em Roma

 Outra grande mudança nos hábitos alimentares e comportamento ocorridos no período da metade do século XVII e prosseguindo no século XVIII, foi o encontro do paladar mais refinado em detrimento das alegorias das comidas apresentadas. 

Os pratos figurativos aos poucos desapareceram. 

Foram dando lugar às comidas mais bem elaboradas, marinadas, cozidas no vapor e carnes lardeadas. Uso intenso da manteiga e do creme. A cozinha medieval e renascentista era dependente do uso de temperos exóticos como indicadores de posição social. 

Esses temperos foram aos poucos substituídos por ervas aromáticas, tais como o alho, a cebola, a salsa, hortelã, alecrim e labaça. Da mesma forma que o cerefólio, o estragão, manjericão, tomilho, louro e cebolinha davam realce ao sabor.  A mudança era da quantidade para a qualidade.

As ervas aromáticas eram bem conhecidas muito antes daquela época, mas pouco aproveitadas. Agora assumiam seu lugar numa culinária cujo uso de ingredientes aparentemente simples era tão sofisticado que se tornava inacessível fora de um espectro bastante restrito da sociedade.

A partir daí o movimento service à la française (não confundir com o servir à francesa) tomou corpo e ganhou ares de nobreza, marcando definitivamente uma nova era nas relações de todos os aspectos da gastronomia. O marco literário foi a publicação do Le cuisinier françois (1651), de François Pierre La Varenne. Segundo Roy Strong, “foi o primeiro livro de cozinha a romper definitivamente com a Idade Média, começando com receitas do bouillon, caldo de carne ou peixe que servia como base ou fonds para o repertório de pratos que se seguiam e era o alicerce do novo sistema”.  Esta publicação foi complementada por um outro livro, Le pâtissier françois (1654) sobre pratos, massas e ovos, para tortas, wafer, waffes, bolos, omeletes e biscoitos. E, um terceiro volume completava a trilogia de La Varenne, conhecida como Le parfaict confiturier (1667), que tratava dos trabalhos do office.

Surgiram a partir daí outras publicações especificamente dirigidas à aristocracia e para os cozinheiros da nobreza. Estas tinham por objetivo criar uma culinária para a  aristocracia, colocando-as em outro mundo em termos de decoração, ambiente e serviço.

Os movimentos filosóficos ganham força nesta época e com o passar do tempo surgem reações às mudanças acontecidas. O Iluminismo, por exemplo, pregava a simplicidade e comedimento. Neste conflito ideológico surge o livro La cuisine bourgeoise (1746), de Menon, que nada mais era do que um livro de receitas para as esposas burguesas.

A Inglaterra tinha uma culinária baseada no campo, e não na corte, portanto a tradição medieval continuava. O livro do francês, La Varenne, foi traduzido para o inglês em 1653, e causou muita discussão entre os intelectuais de gastronomia.  Mas, apesar de tudo as ideias da culinária francesa ganharam terreno. Willian Verrall, que aprendera seu oficio com o cozinheiro francês do duque de Newscastle, “monsieur de St. Clouet”, baseava seu A complete system of cookewry (1759), em princípios franceses. Segundo nos conta Roy Strong em seu livro, ...”nenhuma cozinha da Europa escapou ao que acontecia na França, como ninguém tampouco escaparia à mudança daí decorrente para os arranjos da mesa e a apresentação da comida."

 A famosa e delicada “Mesa Posta” que veremos a seguir.

A evolução da gastronomia (1)

 



Epicuro de Samos

Vários fatores contribuíram para a mudança de hábitos das classes mais abastardas que viviam nos países da Europa, a partir do século XVII e XVIII. Grandes transformações ocorreram, principalmente sobre a mudança de hábitos alimentares. Se nos séculos anteriores a alimentação era marcada por soluções medicinais - acreditava-se que os alimentos doces e levemente salgados poderiam curar enfermidades - os franceses (sempre eles) alteraram os rumos da confecção dos alimentos e o servir. 

Acreditava-se também que a alimentação estava vinculada a astrologia e a alquimia, juntamente com a medicina. 

A apresentação das refeições conhecida como service à française veio para alterar o rumo da gastronomia em toda a Europa, se espalhando posteriormente para os demais continentes.

No excelente livro Banquete – Uma história ilustrada da culinária, dos costumes e da fartura à mesa, seu autor Roy Strong retrata com muita autoridade a enorme alteração dos velhos hábitos até então praticados à mesa. Sai de cena o intenso consumo de aves exóticas como pavões e cisnes, grous e garças, juntamente com lampreias e baleias, do mar, e entram nos cardápios, carne de boi, vitela, carneiro, galinha de todas as espécies, patos, marrecos, pombos e pássaros de caça. Peixes de água doce como o salmão e truta eram consumidos em grande escala, da mesma forma que os peixes do mar como o linguado, plaice ou solha (parente do linguado) e pescada.

Roy Strong cita que em Versalhes, na França, o grande jardineiro de Luis XIV, Jean de La Quintinie, obteve seu momento de glória ao cultivar em suas estufas iguarias como aspargos, cerejas, cogumelos de todos os tipos, trufas, alcachofras, alface e ervilhas. Os vegetais ocuparam lugar de honra.

“Quanto ao vinho, no último quarto de século XVII foi inventado o método Champenoise, e o consumo de champanhe decolou”. Conquistou a classe aristocrática, juntamente com os vinhos da Borgonha, conhecidos como vins de table. Da mesma forma o modismo se expandiu com o alto consumo de  vários tipos de licores, águas perfumadas e bebidas geladas.

Outra novidade significativa foi a introdução do chocolate, do chá e do café, muito conhecidos, mas pouco aproveitados na França.  As bebidas foram adaptadas ao gosto europeu, acrescentando-se mel ou açúcar, além de baunilha, canela e algumas vezes pimenta-do-reino para realçar o sabor. O café também iniciou seu ciclo na Europa através dos holandeses que foram os primeiros a iniciar a exploração comercial.

Todas estas “novidades” foram úteis para complementar as decisivas mudanças ocorridas numa época de intensa produção literária na França no período (1651-1789). 

Alterou-se o contexto cosmológico que prevaleceu por muitos séculos.

Então a culinária tornou-se mais que uma arte.