Mesa posta, de Vincent La Chapelle |
Uma das consequências da revolução na gastronomia, como bem retrata o escritor inglês Roy Strong, em seu imperdível livro sob o titulo Banquete, foi o novo método de servir os pratos, ... “num estilo conhecido como service à la française.”
A moda, segundo ele, refletia a preocupação do século XVII com a ordem, o equilíbrio, o bom gosto e a elegância. O número de pratos para cada serviço era calculado segundo uma relação fixa entre pratos e comensais. Pelo detalhamento de Strong, “uma refeição de quatro serviços para 25 pessoas, por exemplo, significava cem pratos. Podia-se multiplicar ou dividir a partir deste cálculo.” Então, se surgissem mais alguns convidados de última hora, seria uma correria na cozinha para complementar os serviços de pelo menos quatro pratos a mais para cada comensal inesperado.
Os alimentos grandes
como os assados ocupavam lugar de destaque à mesa, cercados por outras
iguarias. As refeições eram divididas em serviços, dois, três, ou quatro. Ceias
em apenas um serviço, além da sobremesa. Para a confecção dos alimentos
usava-se a cuisine, e, o office para as sobremesas.
O maçom Vincent La Chapelle (1690 ou 1703-1745)
foi um mestre cozinheiro francês que trabalhou para Phillip Dormer Stanhope
(quarto Conde de Chesterfield), de William IV (Príncipe de Orange), de João V
de Portugal e, em seguida, Madame de Pompadour (amante de Luís XV da França).
Editou um livro sob o titulo Le cuisine moderne (1742) onde apresenta um plano para a
mesa - como um cardápio - para uma ceia de dois serviços. La Chapelle fundou uma
loja maçônica que leva seu nome, na Holanda.
É neste livro que surge o grande divisor dos costumes, do “antes e o
depois”, senão vejamos: (acompanhe a ilustração deste artigo)
“Dezesseis pratos estão arranjados
em torno de uma mesa retangular, e todos os recipientes para os
alimentos também são de prata. (Observa-se aqui que na década de 1770 seriam de
porcelana). No centro há uma travessa oval para ¼ de vitela, ladeada por um par
de esplêndidas sopeiras e um par de terrinas. Nos quatro cantos da mesa há
quatro entrées de galinha e, entre elas, mais uma vez
arranjados simetricamente, mais seis pratos, dois pequenos e quatro grandes,
com vários hors d’oeuvres, costeletas
de carneiro com chicória, um prato de peito e enguias glaçadas com molho
italiano. Durante este serviço as duas sopeiras eram removidas e substituídas
por dois releves, um linguado e um salmão, exatamente na mesma posição para
manter o equilíbrio estético da composição... O segundo serviço repete o padrão
mas com novos pratos, incluindo um presunto como peça central e bolos, onde
anteriormente estavam o linguado e o salmão. A mesa era então limpa para o
serviço preparado pelo office, sempre
um grande espetáculo. Podia incluir queijos, fruta em conserva e em calda,
sorvete, sorbet e pudins,
subordinados a um bem elaborado ponto focal, talvez uma escultura de açúcar e
flores.”
Os livros de cozinha daquela época – 1700 – estavam repletos dessas
disposições de mesa posta, todas, sem
nenhuma exceção, simétricas.
Como exemplo, Strong cita um quadro pintado por Martin van Meytens,
retratando um banquete realizado em Frankfurt, na Alemanha,a por ocasião da coroação
do arquiduque José, como rei dos romanos, isto, em 1764. No quadro com diversos
detalhes, pode-se observar a quantidade de talheres postadas em uma das
diversas mesas. À direita de cada prato de prata há uma faca; à esquerda, dois
garfos – um com dois dentes e o outro com três -, em frente a cada prato há uma colher virada para
baixo. Todo prato tem um guardanapo cuidadosamente dobrado escondendo uma fatia
de pão. O centro da mesa é formado por
um surtout, destacado o objeto
rococó, contendo, no nível mais baixo, galheteiros de açúcar e garrafas de
azeite e vinagre, e acima, uma tigela com frutas e flores. Em volta do surtout, na toalha de damasco branca,
pode-se ver três conjuntos de vasilhas de prata, todos arrumados em ordem. As
quatro maiores são sopeiras, pots à
oilles; as quatro menores são terrines,
e há quatro saleiros. Também se vê uma grande colher de servir, para uso dos
próprios convidados. Os quadros da época
retratavam com muitos e ricos detalhes os hábitos inéditos que vieram a se tornar uso comum depois desse século.
Grandes guardanapos eram enfiados
nas gravatas ou numa casa de botão dos homens e no decote das senhoras,
caindo em amplas dobras sobre o colo. Nesta época – XVIII – a prata dava lugar
à porcelana. Garfos, facas, colheres, candelabros, galheteiros, molheiras,
saleiros surgem para ocupar o lugar em definitivo.
Não se colocavam copos à mesa nesta época. Quando um comensal queria
beber chamava o serviçal que trazia em uma bandeja, vinho e uma jarra com água,
caso se quisesse diluir a bebida. Baldes de porcelana eram usados ao pé de cada
cadeira para refrescar o vinho, e outro
balde de porcelana maior, central, para dar suporte à mesa. As sobremesas eram
servidas ao final das refeições, e se utilizavam de outras mesas para acomodar
os pratos e copos. Arranjos de flores já
eram utilizados para harmonizar a decoração.
E, nesta época, surge a figura do lacaio, que veremos no próximo artigo.